Vou falar na linguagem dos anos 50 do sec. passado...vejam bem do sec passado.Mas afinal o que é a nosa existência? Uma decrepitude física e mental ou uma imagem, como eu tenho de mim, quando olho para dentrro do meu corpo ou da minha alma e olho para mim. Mas afinal o que é o MIM ?
_ Sou eu a sentir-me acabado ou sou o olhar para dentro e ver-me menino a brincar com isto ou aquilo, ver-me crescer , ver-me chegar a grande, mas sempre aquele menino pequeno que tendo uma mãe que o adora , embora ele seja rebelde ou mesmo arruaceiro, na concepção de hoje, ladrão de frutas da vizinhança.
Mas vamos às cerejas.A malta saia das aulas e ia logo até à feira de Braga,que tinha o seu sítio no Campo daVinha. Hoje ainda tem o mesmo nome? Não sei. Braga já não me diz nada. Sem família não há raizes, penso, e falo por mim,que apenas esta ou aquela paixão da nossa juventude e que nos tocou muito na altura, nos lembra as ruas por onde passamos tantas vezes com o coração destroçado e que hoje apenas recordamos, sem percorrer os mesmos sítios que na altura nos fizeram sofrer. E revivo tudo: as faces daquelas que pretendia e nem me davam um sorriso,naquela altura avaliada como se fosse a esmola a um pobre (pobre de mim que nessa altura necessitava dessa esmola,
mas hoje a rejeitaria, porque no amor não há caridade nem esmolas.~( continua)+++++++++++++++++++++++
domingo, 21 de agosto de 2011
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Notícia dum Cancro
A NOTÍCIA DUM CANCRO
Era sempre à quarta-feira o meu dia mais difícil de trabalho.
Nesse dia, as cirurgias tinham acabado às 23 horas. Era Janeiro e à saída do Hospital um vento frio veio ter comigo, sem me pedir licença, antes de eu entrar no carro, como se me trouxesse alguma notícia, que necessitava saber. É estranho, mas algo me dizia que alguma coisa não estava bem. O ar era frio e húmido como se quisesse congelar-me, fazer de mim uma estátua de gelo que, depois quando aparecesse o calor, se desfaria e eu deixaria de ser eu próprio.
Hoje pergunto-me:
- Porque me pareceu aquele dia tão diferente das outras quartas-feiras?
- Porque tinha aquele silêncio da noite penetrado no meu corpo, sob a forma de vento frio, nesse mês de Janeiro que se sabe ser sempre frio, frio húmido que nos escorraça para dentro de casa procurando abrigo e agasalho que nos console e nos aqueça o corpo e a alma, se alguém tivermos que nos possa fazer isso.
Quantas vezes fugimos do frio e permanecemos enregelados, por não termos ninguém que nos abrace e, mesmo acompanhados, continuamos a sentir o frio desse tempo frio, e mais o frio da alma por sentirmos frio, como se houvesse um frio mais frio, sem termos manta que nos agasalhe e dê o consolo de um abraço, ou do enrolar-se em nós, apertando-nos bem contra o seu peito, e beijando-nos como se chegássemos de longe e de muitos anos de ausência.
Algo me alterava o meu ser, me gerava uma emoção esquisita que não, não posso ainda hoje descrever. Recordo o que sentia, que sentimento era aquele, que vinha ter comigo, embora não fosse eu a procurá-lo.
Estava já sentado no carro, de portas fechadas, chave metida na ignição, mas sem vontade de sair dali. Passado algum tempo, que me pareceu serem horas, levei a mão ao pescoço, porque algo me incomodava, palpando vários pontos e notei na região sub-maxilar direita um caroço duro, que não se movia, era fixo o que me preocupou logo. Nem preciso dizê-lo: depois dessa palpação, veio o receio e o medo, a coisa que nunca imaginara vir a ter naquela região.
As nossas vidas assentam e prefiguram-se em tantas coisas, que no dia a dia nem damos por isso, vamos vivendo, andando com o correr do tempo e pensando apenas no que mais nos interessa. Mas quando desconfiamos que tudo isso se vai alterar, ficamos então diferentes, deprimidos, sem as alegrias que tínhamos e sem sabermos o que será o futuro.
Quantas vezes pensei como poderia vir a morrer de cancro deste ou daquele órgão, mas nunca pus a hipótese de ter qualquer doença maligna na boca.
Com a boca comia, bebia, falava e contava as minhas histórias, cómicas muitas vezes, percebendo-me toda a gente. Mais tarde vi e senti na minha própria carne, que muitas vezes as pessoas não entendiam as minhas histórias, as minhas anedotas, que sempre gostei de contar, e isso custava-me muito. Havia por vezes, o pedido de repetição do que dizia, que me levava a pensar que esses outros eram surdos. Mas não, era a minha dificuldade de articular as palavras, muitas vezes confusas, entendidas como outras, porque tinha a minha língua presa ao pavimento da boca depois de ter sido operado. Não. E era aquela tristeza que se apoderava de mim, porque, julgava, “já nem falar consegues….”.
Daí em diante, tudo na minha vida me chamaria à luta, para vencer as dificuldades físicas e psíquicas que se me impunham, mas que eu teria de contornar e até, melhor dizendo, enfrentar para continuar a sentir-me quem era, e não cair num estado depressivo que me levaria à derrota física e, inevitavelmente, a morrer mais cedo.
Meio ensonado pela noite que tivera, recomecei o dia como se nada me tivesse acontecido, ou incomodado, voltando às minhas actividades normais.
Estou a tentar enganar-me a mim mesmo; ao espelho voltei a palpar o caroço debaixo do meu queixo, a observar o seu aspecto, a preocupar-me em saber o que era e a odiá-lo, porque me atormentava, tornando o meu dia em noite escura, com uma ansiedade terrível de saber “de que era feito”.
Até ir à consulta, da parte de tarde, tudo me ocupava a mente: a incerteza, a escuridão, o que seria preciso fazer, os tratamentos que me iriam transformar num doente, num doente que eu não queria ser.
Mais tarde, já depois de terminados todos os tratamentos que fiz, quando já retomara as minhas actividades de médico, verifiquei que não era bem assim. Para os outros, que lidavam comigo, a aparência que agora tinha, com cicatrizes, voz diferente, era apenas uma das muitas inconveniências que eu deveria gerir. Daí, cresceu em mim uma vontade enorme de me afirmar, de deixar de ser aquela figura com cicatrizes na face, que os outros acreditavam que ia desaparecer em breve.
E foi então que, retomando toda a minha actividade médica que tivera, me fui libertando daquele estado depressivo, que me cortava a vida e toda a minha vivência. Assim, voltou a alegria de viver, a vontade de andar em frente para ter mais felicidade. Esta, nunca esquecerei, aparece, quando ganhamos alguma coisa, que no meu caso era agora a maior auto estima que possuía, a vontade de ver o dia seguinte e o entusiasmo que punha em tudo o que fazia.
Eu serei sempre o touro enfurecido, em que o olé nada me diz e seguirei em frente, de cabeça em cima, para que o forcado não me possa pegar. Quero ter a esperança de sair vencedor, não quero ser turista sem mapa, andar às voltas para sair. Não. Para mim é a morte que terá que trazer o mapa para me localizar, porque o meu norte é sempre o sul e o “leste nunca me seduziu”. Não. A morte vai encontrar-me - se o mundo continuar assim - metido num saguão, de cabelos brancos, já velhinho, sem poder andar, sentado numa poltrona bem confortável, abandonado, mas com um papel colado no fato, junto ao peito: “CUIDEM DESTE VELHINHO QUE É AMOROSO”. Alguém há-de levar-me e ouvir as minhas histórias e a minha história. Só depois de saberem o que fui, quem fui, o que pensei, como pensei, como queria o mundo, é que então uma luz negra se porá diante de mim e, olhando para o meu desprezo, me dirá: - anda, chegou a hora… e eu que não gosto de Bacalhau à Bráz, direi apenas: vamos, mas não me leves a comer o Bacalhau à Bráz.
¥*¥*¥*
sábado, 6 de agosto de 2011
A INFÃNCIA
Quando me lembro da minha infância,
Os sonhos acabaram.
Agora é só saudade,
Já não há sonhos,
Já não há aquela brancura da infância.
Hoje é só um destino
De muitos erros, inacabados,
Com água nos olhos
A chorar a lembrança
De ser menino
E de ver muitos sonhos
Só sonhados.
Os sonhos acabaram.
Agora é só saudade,
Já não há sonhos,
Já não há aquela brancura da infância.
Hoje é só um destino
De muitos erros, inacabados,
Com água nos olhos
A chorar a lembrança
De ser menino
E de ver muitos sonhos
Só sonhados.
O MEU OLHAR
O meu olhar
Este meu olhar tão triste
Ainda consegue ver
Os pássaros ao fim da tarde...
Estes meus olhos cheios de lágrimas
Ainda conseguem ver-te,
Tão distante ficaste,Como se a vida acabasse.
Este meu olhar tão triste
Ainda consegue ver
Os pássaros ao fim da tarde...
Estes meus olhos cheios de lágrimas
Ainda conseguem ver-te,
Tão distante ficaste,Como se a vida acabasse.
terça-feira, 2 de agosto de 2011
A Senhora Almerinda (uma história que vivi nos anos 40)
A Senhora Almerinda
A senhora Almerinda Sardinheira era uma mulher de trinta anos. Era a sardinheira da aldeia, vendia sardinhas e um ou outro peixe, não muitos, porque a clientela nada comprava a não ser sardinhas, chicharros e pescadinhas, porque não tinha dinheiro.
E portanto, não vendia mais do que isso. E lá ia diariamente a Braga, distando 14 quilómetros da aldeia, buscar o peixe para depois o vender de casa em casa.
Tinha cinco filhos naquela altura. Não me lembro se depois veio a ter mais.
A senhora Almerinda era uma figura bonita, sem rugas, apesar dos filhos que já tivera, alta e com corpo esculpido, o que se podia dizer uma mulher bonita. E lá ia de casa em casa, vender o peixe, a maior parte das vezes, a sardinha, porque era o peixe mais barato e o mais preferido de todas as pessoas.
Ora, o filho mais novo da senhora Almerinda, de três anos morreu. Morreu com uma gastroenterite. Naquela altura ainda se morria de gastroenterite...
E já se está a ver porquê. A mãe praticamente só estava em casa à noite e os filhos ficavam entregues uns aos outros durante o dia. E, portanto, sem grandes cuidados, porque crianças ou adolescentes não têm os mesmos cuidados que os adultos quando uma criança está doente. Frutos do tempo ou daquela época.
Morreu o filho mais novo da senhora Almerinda Sardinheira. E a senhora Almerinda não se conseguiu libertar do destino que lhe era imposto pelo lugar onde morava.
Talvez a senhora Almerinda tenha sido acometida e vencida por uma solidão enorme, movendo-se com gestos lentos e desajeitados pelo desgosto da morte daquele seu filho. E talvez se tenha questionado, perguntando a Deus, donde vinha tudo aquilo, porquê tudo aquilo, porque é que meu filho morreu… mas sem nunca ir ao fundo da questão, porque o seu trabalho exigia que saísse de manhã e voltasse à noite, para ganhar o sustento para os filhos. E futuramente? Talvez com aquele desgosto, a sua vida diária, nada lhe traria para a entusiasmar. Era como se perdesse tudo. Mas nada mudaria. Continuaria a saír de casa de manhã e a entrar à noite, deixando os filhos entregues à sua sorte.
Não havia água no lugar onde morava e como era costume naquela época, lavar os mortos, a senhora Almerinda com falta de água lavou o filho com vinho, não sei se branco se tinto, mas lavou-o com vinho, para que fosse limpo para a eternidade e para a ressurreição.
E ainda hoje recordo tudo, porque no funeral, fui uma das crianças que carreguei o caixão do filho da senhora Almerinda desde a sua casa até à igreja. Depois de toda a cerimónia do funeral quiseram dar-me um pão, o que era costume, e eu recusei, porque não quis comer à custa do desgosto ou da desgraça daqueles que sofriam, por terem perdido um ente querido. E fiquei em silêncio durante horas.
(A. Bacelar Antunes, Lembranças do Passado, 2001)
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Eu e Poesia
A poesia eu
Nascemos no mesmo tempo
Como um sonho
Sonhado no infinito;
Como uma fonte de cor,
De váriass cores,
Com sombras de sonho
A penetrar no meu ser
E a sermos os dois
Uma simbiose de alegria
Porque em mim há sempre posia
E na poesia está sempre o meu ser.
(Histórias e Poemas,2001,A. Bacelar Antunes)
Nascemos no mesmo tempo
Como um sonho
Sonhado no infinito;
Como uma fonte de cor,
De váriass cores,
Com sombras de sonho
A penetrar no meu ser
E a sermos os dois
Uma simbiose de alegria
Porque em mim há sempre posia
E na poesia está sempre o meu ser.
(Histórias e Poemas,2001,A. Bacelar Antunes)
Como uma cascavel
Sou como uma cascavel
Enfrentando o inimigo,
Que muitas vezes não é.
Sou como uma cascavel
De cabeça erguida
A enfrentar tudo e todos
Com a esperança de vencer,
Mas tantas vezes
Perdendo luta
Por ter a cabeça erguida
A enfrentar tudo e todos...
E a saber porquè...
Ou muitas vezes sem saber porquê...
(Histórias e Poemas, 2001, A. Bacelar Antunes)
Enfrentando o inimigo,
Que muitas vezes não é.
Sou como uma cascavel
De cabeça erguida
A enfrentar tudo e todos
Com a esperança de vencer,
Mas tantas vezes
Perdendo luta
Por ter a cabeça erguida
A enfrentar tudo e todos...
E a saber porquè...
Ou muitas vezes sem saber porquê...
(Histórias e Poemas, 2001, A. Bacelar Antunes)
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