Hemorragias Genitais da Perimenopausa
As hemorragias uterinas da
perimenopausa constituem um problema diário na nossa prática clínica.
A
etiologia destas hemorragias é por vezes
difícil de esclarecer pelo facto de ser neste período que aparecem com grande
frequência metrorragias cuja responsabilidade tanto pode ser de uma lesão
orgânica, como acontece frequentemente com os fibromiomas e não é raro
cometermos o erro de a considerarmos como causa única das metrorragias.
Na
realidade, muitas vezes um tratamento progestativo cura estas hemorragias,
mostrando assim que a sua causa primitiva era de ordem disfuncional.
Por
isso, mais do que uma descrição das patologias que podem dar metrorragias na
perimenopausa, interessa-nos compreender quais os efeitos do desequilíbrio endócrino
neste período e suas consequências sobre o endométrio.
DEFINIÇÃO
Podemos
definir perimenopausa, como propôs Rosenbaum, como o período de irregularidades
menstruais e/ou de alterações funcionais, precedendo a paragem definitiva das
menstruações e o ano que se segue à sua paragem aparente.
Ora
este período pode durar vários meses ou vários anos e é neste tempo que o
aparelho genital da mulher vai ser submetido a uma carência progesterónica
prolongada.
Embora
com variações individuais, podemos distinguir, sob o ponto de vista
fisiológico, 3 etapas neste período até à instalação da menopausa:
-
resistência dos folículos à acção das gonadotrofinas e
aumento da FSH (clinicamente, esta fase traduz-se por um encurtamento dos
ciclos);
-
fase de esgotamento folicular, em que os folículos não
segregam níveis de estrogénios suficientes para induzirem uma ovulação. O corpo
amarelo, quando se desenvolve, tem uma duração efémera ou uma actividade
secretória muito baixa. A sua expressão clínica é o encurtamento dos ciclos e o aparecimento de metrorragias
prémenstruais;
uma última etapa que consiste
no estalar de ovulações
esporádicas e anomalias na secreção do
estradiol.
Clinicamente, pode constatar-se
metrorragias irregulares e períodos de amenorreia que podem durar meses,
enquanto persiste um estado de hiperestrogenismo.
Perfil Hormonal da Perimenopausa
As modificações das
estruturas anatómicas do ovário neste período acompanham-se de alterações
hormonais, cuja última expressão é a carência completa em progesterona.
No
decurso da vida genital, o capital folicular vai-se esgotando progressivamente,
havendo um aumento do tecido conjuntivo à medida que o número de folículos
primordiais diminui.
No
ovário da perimenopausa, encontram-se folículos em involução, alternando com
outros em evolução acelerada. Como diz Aschheim, os ovócitos são delapidados a
um ritmo acelerado sob o efeito da elevação da FSH. O número de folículos em
involução, quísticos ou atrésicos, é exagerado. Os folículos em maturação
apresentam sinais de desenvolvimento incompleto: granulosa parcial ou
totalmente ausente, diminuição da teca interna, dando lugar ao aparecimento de
corpos amarelos inadequados. No aspecto hormonal, observa-se essencialmente uma
elevação da FSH no decurso de todo o ciclo. Este aumento das taxas plasmáticas
da FSH, apesar de taxas normais ou mesmo elevadas de estradiol, deve-se à
diminuição das concentrações da inibina.
A
secreção de LH permanece normal. No entanto, os seus picos cíclicos vão-se
espaçando cada vez mais até desaparecerem.
Quanto ao estradiol, a sua secreção é
muitas vezes excessiva, em virtude da estimulação persistente duma FSH muito
aumentada.
Pelo contrário, as taxas de
progesterona estão sempre diminuídas ou nulas.
Assim, a relação progeterona/estradiol
aparece-nos sempre diminuída, o que origina uma insuficiência luteínica própria
deste período.
Vemos, assim, que a mulher neste
período da sua vida fica exposta a concentrações apreciáveis de estradiol não
compensadas clinicamente pela progesterona, o que lhe acarreta anomalias
menstruais e um possível desenvolvimento de distrofias celulares.
Manifestações Clínicas da Insuficiência de
Progesterona
A
insuficiência luteínica ou progesterónica com hiperestrogenismo absoluto ou relativo que
caracteriza a perimenopausa vai favorecer uma proliferação celular e o
aparecimento de alterações no endométrio e no miométrio.
Não é excepcional que este período de
hiperestrogenismo seja clinicamente latente, coincidindo com uma amenorreia que
pode durar meses, dando uma falsa ideia de menopausa confirmada. Aqui é da
maior importância um teste com progestativos, cuja positividade revela um
hiperestrogenismo.
- -
As irregularidades menstruais têm graus variáveis no
decorrer da perimenopausa. Alternância de ciclos curtos com ciclos longos ou
então uma verdadeira anarquia dos ciclos menstruais com sucessão de períodos de
amenorreia e de períodos de hemorragias menstruais. Estas irregularidades
acompanham-se com frequência de fogachos intensos e de alterações relacionadas
com outras manifestações de insuficiência luteínica.
- ~-
Síndrome pré-menstrual – pode revelar-se nesta fase ou
exacerbar-se. Por vezes, limitado às quarenta e oito horas anteriores,
inicia-se muitas vezes quinze dias antes da menstruação. As suas manifestações
são variadas e consistem em alterações de comportamento – excitabilidade fácil,
ansiedade, depressão, insónias, sensação de distensão abdominal, cefaleias tipo
enxaqueca, e edemas dos membros inferiores ou generalizados (edemas cíclicos
idiopáticos), a traduzirem uma retenção hidrosalina acentuada.
- -
Hiperplasia do endométrio – é a consequência directa
da impregnação estrogénica permanente. Manifesta-se por meno ou metrorragias em
quantidade variável e exige muitas vezes uma raspagem hemostática.
- -
Fibromioma uterino – a sua hormonodependência encontra
na perimenopausa a sua melhor prova, dado que num ambiente de hiperestrogenismo
estes tumores vão crescendo até ao estabelecimento da menopausa.
Na nossa prática clínica,
que lesões vamos encontrar nas metrorragias da perimenopausa?
Num
trabalho de T. Delarue, de mulheres submetidas a raspagem uterina, o endométrio
era na sua maioria um endométrio em hiperplasia ou com pólipos endometriais.
No
entanto, este autor encontrou também atrofias no endométrio, mas estes padrões
foram coincidentes com lesões de endometrite e de pólipos de endométrio.
Num
grupo de mulheres histerectomizadas, este mesmo autor encontrou o endométrio
normal em 16 casos e em 5 hiperplasias simples, que alguns autores não
consideram como lesão orgânica. Estas doentes tinham feito tratamento com
progestativos e as hemorragias eram da responsabilidade de lesões associadas.
Com
efeito, o fibromioma e a adenomiose aparecem numa percentagem elevada de casos.
Os tumores do ovário e a endometriose do ovário aparecem em 6 casos.
Resta-nos
dizer que as lesões encontradas não dependem da existência dum ciclo com
hemorragias menstruais. O trabalho referido não mostra a observação de qualquer
caso de adenocarcinoma do endométrio, como já outros autores o tinham
verificado, em estudos de séries de mulheres entre os 40 e 50 anos.
Porém,
outros autores encontram adenocarcinoma do endométrio numa frequência de 15 a 25 % em mulheres dos 40
aos 50 anos. De Brux refere que 23 % dos adenocarcinomas do endométrio são
pré-menopáusicos, 3 % aparecem na menopausa e 68 % são pós-menopáusicos.
Conclusões
As etiologias das
hemorragias da perimenopausa são dominadas por lesões benignas do endométrio e
do miométrio, frequentemente associadas.
Entretanto,
não podemos esquecer duas eventualidades:
-
A possibilidade de uma gravidez;
O risco de patologia neoplásica, em particular do
adenocarcinoma do endométrio, que põe o problema do seu diagnóstico e da sua
prevenção.
Se tivermos em conta os
dados da epidemologia, as mulheres com risco deverão ser objecto de um estudo
precoce a fim de diagnosticarmos uma lesão pré-cancerosa e não um cancro
invasivo.
A
simplicidade dos métodos de colheita das células endometriais em regime
ambulatório parece prometedor no diagnóstico precoce das lesões do endométrio,
assim como a ecografia por via transvaginal.
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